O texto que se segue como aliás quase todos os deste blog foram colocados num site que criei em 1996, para tornar público o que fazia na AR e assim permitir que os eleitores pudessem avaliar o que faziam os deputados por si pagos. O alojador do site, GEOCITIES, encerrou uns anos depois, a actividade mas deixou uma parte em arquivo como podereis ver aqui: LINK
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Assembleia da República, 1998/06/19 - Intervenção do deputado Raimundo Narciso.
Sr. Presidente
Sr. Ministro da Defesa Nacional
Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional
Srs. Deputados
Sr. Ministro da Defesa Nacional
Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional
Srs. Deputados
Com a proposta de lei 181/VII o Governo planeia o investimento de 215
milhões e 500 mil contos no equipamento e modernização das Forças Armadas e
também no apoio à indústria de Defesa, no período de seis anos que vai de 1998
a 2003.
Duzentos e quinze milhões de contos é muito dinheiro e os contribuintes
esperam de nós que avaliemos com critério e rigor se tamanha importância é bem
aplicada em armas e equipamentos militares, tendo em conta que os tempos são de
paz. Pelo menos de paz nesta região da Europa.
Portugal atravessa um período de elevado ritmo de crescimento económico,
que este ano será da ordem dos 4,5%, quase o dobro do ritmo da Europa
Comunitária mas mesmo assim somos ainda um país de modestas posses que
necessita de mais meios para a educação, a saúde, a segurança social, áreas
onde ainda nos encontramos aquém dos padrões médios da União Europeia.
Em minha opinião e da bancada do Partido Socialista esta proposta de
investimentos na nossa defesa é uma proposta equilibrada. Resulta de rigorosa
avaliação das disponibilidades financeiras do país e representa a conciliação
possível entre as preocupações sociais do Governo de António Guterres, com as
necessidades urgentes e inadiáveis das FFAA, para cumprirem as missões que lhes
estão atribuídas.
Por isso esta proposta de LPM tem o apoio da bancada do PS.
As verbas que aqui hoje discutimos representam muito dinheiro e
paradoxalmente pouco dinheiro.
Pouco, porque depois de muitos anos de desinvestimento e sacrifícios nas
FFAA, resultantes de exigências mais prementes noutras áreas da governação,
estes valores correspondem apenas à garantia dos meios razoáveis para seu bom
desempenho mas não mais.
São valores que exigem da Instituição Militar grande rigor e uma
preocupação permanente pela economia de meios que estamos certos continuará a
ser seu timbre.
Afinal os 36 milhões de contos por ano, até 2003, que a proposta de LPM
propõe correspondem apenas a algo inferior a 0,5 por cento do orçamento médio
do Estado previsível para o período da lei ou, se quiserem um número mais
quotidiano, 215 Mc em seis anos correspondem a um dispêndio inferior a 10
escudos por dia e por português nesse período.
Na proposta de lei de programação militar apresentada pelo Governo
destacam-se pelo seus custos três programas. Na Marinha, a compra de
submarinos, no Exército a compra de helicópteros e na Força Aérea a compra de
aviões F16.
O programa relativo aos submarinos inscreve 31 milhões de contos (Mc) no
período de planeamento da lei. Estamos a falar de três e não quatro submarinos
como possivelmente a Marinha com boas razões desejaria. Este valor subirá para
valores da ordem dos 70 ou 120 Mc, nos anos seguintes, conforme se comprem
submarinos usados ou novos.
Os novos submarinos a comprar substituirão os actuais três submarinos da
classe Albacora que em 1999 perfazem 30 anos de vida útil e atingem o limite de
vida.
Os submarinos vulgarmente apelidados de a arma dos pobres são apesar de
tudo armas caras. No entanto, não seria acertado, dispensarmos tais armas. As
poupanças de hoje poder-nos-iam sair demasiado caras no futuro. Duas razões
sobressaem no sentido de não perdermos a capacidade submarina. Se por uma má
avaliação das nossas necessidades eventualmente influenciada por não termos de
momento ameaças à vista desistíssemos deste sistema de armas, mais tarde para
as readquirirmos teríamos de recomeçar do zero, com dificuldades acrescidas na
preparação de recursos humanos. Mas a principal razão que desaconselha a perda
deste sistema de armas, de importante poder dissuasor, é a grande extensão
marítima que temos necessidade de defender quer numa perspectiva de defesa
autónoma quer para atendermos às responsabilidades de defesa que assumimos no
âmbito das alianças e acordos internacionais.
A compra dos submarinos que já estava inscrita na segunda LPM, com uma
rubrica de cerca de 9 milhões de contos para gastos iniciais, não se chegou a
concretizar.
Há pouco o senhor deputado Pedro Campilho procurou atacar o Governo do PS
acusando-o de, durante a 2ª Lei de Programação Militar não ter procedido à
compra dos submarinos como se previa na lei.
Lembro ao sr. deputado Pedro Campilho que a 2ª Lei de Programação Militar
decorreu de 1993 a 1997. Três anos de governo de Cavaco Silva e dois de Governo
de António Guterres!!
Mas não há razões para ataques. O ex-lider do seu partido o professor
Cavaco Silva, quando 1ºMinistro, provavelmente procedeu muito bem ao não gastar
então muitos milhões de contos em submarinos, devido a outras prioridades e de
igual modo e por bem fundamentadas razões, terá procedido depois, o engenheiro
António Guterres. Sabemos todos muito bem que assim é.
Somos um país territorialmente pequeno mas com uma área marítima muito
extensa. Necessitamos de defender as águas territoriais que se estendem ao
longo de uma orla costeira com mais de dois mil km no continente e nos
arquipélagos, necessitamos de vigiar e defender os nossos interesses na nossa
Zona Económica Exclusiva e necessitamos de controlar e manter abertas as vias
de comunicação entre as três componentes terrestres do país. A superfície
marítima que faz parte do Espaço Estratégico de Interesse Nacional Permanente
tem cerca de 20 vezes a superfície de Portugal continental, isso obriga a
prestar grande atenção à nossa Marinha e Força Aérea e justifica a quota parte
maior de investimentos obtida por estes ramos nas últimas décadas.
Este facto e a necessidade de se continuar a investir na aquisição de meios
e na modernização destes ramos não nos deve fazer esquecer que o Exército tem
sido o ramo que menos investimentos tem tido, e é indispensável conceder-lhe
algumas prioridades. Os investimentos executados no âmbito da 2ªLPM foram de 27
Mc na Marinha, de 27Mc no Exército e de 42 Mc na Força Aérea, no entanto a
desproporção entre os baixos investimentos no Exército tornam-se flagrante se
recuarmos uma dezena de anos e compararmos o pequeno investimento, por exemplo,
nos mísseis Vulcan Chaparral para o Exército, com os investimentos muitas vezes
superiores nas fragatas Meko para a Marinha e os aviões P3P e F16 da primeira
esquadra, para a Força Aérea.
O segundo programa, a que me referirei tem a designação de Grupo de Aviação
Ligeira do Exército e consiste na compra de 25 helicópteros, 9 de observação e
16 utilitários, orçado em cerca de 33 Mc mas dos quais se gastariam apenas 15,6
milhares de contos no ciclo de planeamento em debate.
Este é um dos programas que transitou quase por inteiro da 2ªLPM. Durante o
período desta apenas foram realizados 290 mil contos, correspondentes a 20% de
uma dotação muito limitada, da ordem do milhão e meio de contos, na formação de
sete oficiais pilotos, dois oficiais engenheiros e vinte e quatro sargentos
mecânicos.
Os três esquadrões de helicópteros que se pretende levantar são necessários
num exército que já sofreu grande redução de efectivos e que ainda sofrerá
alguma pequena contracção. O Exército passou de 42 mil efectivos em 1989 para
27 mil no início de 1998 e deverá reduzir-se para 24 mil e 500 homens em 2003.
A maior capacidade e mobilidade que lhe é dada por estas três esquadras de
helicópteros é entre outros um elemento indispensável num Exército que está a
substituir a quantidade pela qualidade e tem de suprir o número de efectivos
com novas tecnologias e grande mobilidade.
Estes três esquadrões de helicópteros terão para além das missões
prioritárias que são o apoio de combate e a mobilidade táctica de forças do
Exército missões de interesse público, na protecção civil, no combate a
incêndios e outras formas de preservação do ambiente.
O terceiro programa sobre qual farei algumas considerações é o programa
Modernização das Capacidades TASMO e Defesa Aérea.
Aquela conspícua sigla em inglês quer dizer, singelamente, Apoio Aéreo
Táctico às Operações Marítimas e na realidade traduz-se na compra aos EUA de
duas coisas distintas que se encontram associadas neste programa. Uma é a
compra de 25 aviões F16 usados e já com cerca 3 mil horas de voo. Os aviões tal
como estão custam qualquer coisa como 75 milhões de dólares ou 13,7 milhões de
contos, dinheiro que não sai do orçamento de Estado visto que será descontado
no crédito que Portugal ainda possui do penúltimo acordo das Lages.
Uma parte das verbas deste programa vai para os custos de desmontagem e
revisão total do avião e para o reforço das suas estruturas e dos motores.
A outra parte do programa diz respeito à compra e instalação dos
"kits" para o Prolongamento da Vida Útil do avião, designado na
nomenclatura OTAN por "mid life update" ou "MLU", para 20
aviões.
O MLU transforma praticamente o modesto F16 que os Estados Unidos deixaram
de operar e exportam para todo o mundo, num muito mais eficaz F16 idêntico aos
que a Força Aérea norte americana utiliza. Este programa não só aumenta em 8
mil horas o tempo de vida destes F16, como lhes permite combater de dia ou de
noite, em quaisquer condições meteorológicas e identificar e seguir múltiplos
alvos simultaneamente e atingi-los com novos mísseis de médio alcance.
Quer a realização do programa MLU quer parte das revisões e reforços dos
aviões a comprar será feita em Portugal. É um dado em abono da capacidade
tecnológica da nossa Força Aérea e das OGMA que surpreendeu o nosso fornecedor
e aligeirou os custos.
O programa Prolongamento de Vida Útil será aplicado na segunda esquadra a
comprar pois os F16 que já possuímos têm apenas 600 a 800 horas de voo.
Com a aquisição da segunda esquadra de aviões F 16 e do programa
"Prolongamento da Vida Útil" poder-se-á dar cumprimento aos requisitos
do Sistema de Forças aprovado.
À nova esquadra de F16 a adquirir será atribuída a missão da defesa do
espaço aéreo continental e missões de ataque ao solo e à esquadra que já
possuímos e que não terá as melhorias do programa MLU serão atribuídas missões
de apoio aéreo táctico a operações marítimas e defesa do espaço aéreo das
regiões autónomas.
Não me alongarei em considerações sobre outros programas mas não desejaria
deixar de referir a importância especial do programa denominado Sistema Integrado
de Comunicações SICOM.
Este programa que custará cerca de 8 milhões de contos visa a implantação
de uma infra-estrutura de telecomunicações que permitirá as comunicações com
dupla ligação a todas as unidades vitais (em condições de sobrevivência) e
permitirá o comando e o controlo integrado e demais competências dos chefes
militares.
Pretendo ainda sublinhar a importância justamente dada pelo senhor Ministro
da Defesa Nacional à modernização da infraestrutura industrial e da base
tecnológica de defesa ,traduzida em programas no valor de 11 milhões e meio de
contos, nos 6 anos de vigência da Lei.
Sr Presidente
Senhores membros do Governo
Senhores Deputados
A programação militar tem o objectivo de servir e é determinada pelo
Sistema de Forças Nacional, pelas Missões das FFAA, pelo Conceito Estratégico
Militar e acima deste pelo Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Isto quer dizer que as armas, equipamentos, infraestruturas que hoje aqui
apreciamos devem ser os mais adequadas àqueles conceitos.
Aliás, foi nalguma medida para dar suporte conceptual à actual proposta de
lei que este ano, em 8 de Janeiro, foi aprovado o novo Conceito Estratégico
Militar as Missões Específicas das FFAA e o Sistema de Forças Nacionais.
O Conceito Estratégico Militar e os outros documentos orientadores
subordinados, vêm preencher o vazio legal deixado pela interrupção do processo
decisório sobre o Conceito Estratégico Militar que fora aprovado em 1995 mas
não confirmado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional.
Por outro lado o Conceito Estratégico de Defesa Nacional aprovado em 1994,
está relativamente ultrapassado e necessita de revisão. Escusado será dizer que
todos os outros documentos que acima mencionei e se lhe subordinam não passam
de provisórios e intercalares como aliás na sua redacção o Governo e o Conselho
Superior de Defesa Nacional expressamente afirmam.
Se mais não acrescentasse a estas considerações, e coonestando-as quem me
ouve, este debate parlamentar poderia parecer bastante precário e provisório
ele próprio.
Foi isto mesmo que o senhor deputado João Amaral aqui acabou de dizer.
Disse bem ao dizer que os conceitos estratégicos precisam de actualização mas
tirou a conclusão errada ao invalidar as condições para a apreciação e eventual
aprovação desta proposta do Governo.
A sua argúcia e estudo dos "dossiers", a que nos habituou não
deixaria passar isto em claro! Por isso não me foi difícil adivinhar que
procuraria argumentar por aqui e por isso lhe trago preparada a resposta.
Senhor deputado
A relativa desactualização dos Conceitos Estratégicos não diminui a
sustentabilidade desta LPM.
Isso decorre do facto de este programa de investimentos, elaborado pelas
FFAA e pelo Ministério da Defesa, ter em conta a nova realidade política e
estratégica e os seus últimos desenvolvimentos. Ter em conta as grandes
transformações por que as FFAA estão a passar com o crescente peso do
voluntariado e a eventual suspensão do serviço militar obrigatório.
Por isso, no actual quadro legal contido naqueles conceitos, algo
provisório, faz sentido e ganha relevo a flexibilidade da lei quadro da
programação militar já aqui bastante analisada.
Também no sentido da relativização da importância do carácter provisório
dos conceitos de defesa para a avaliação desta proposta do Governo, concorre o
facto de que a generalidade da armas a comprar, dos sistemas de comunicações a
desenvolver, e da doutrina a aplicar corresponderem já aos recentes e mais
modernos conceitos de Forças Operacionais Conjuntas e Combinadas e à doutrina
que privilegia elevados padrões de operacionalidade, mobilidade e
flexibilidade, estrutura modelar das grandes unidades e a sua utilização na
Defesa Própria do Território Nacional, nas missões da OTAN, da UEO das Forças
Europeias, em missões de Paz, de gestão de crises, em missões de carácter
público e apoio às populações.
Tendo tudo isto presente assim como a larga consensualidade sobre estes
conceitos, com a excepção natural do PCP, sou levado a pensar que não é grande
o risco de que venha a prevalecer no quadro nacional e internacional a doutrina
militar do PCP e, então sim, a ruírem os pilares que dão sustentabilidade a
esta programação militar.
O Governo propõe ao parlamento e ao país que dos impostos que teremos de
pagar nos próximos seis anos reservemos 215 milhões de contos para renovarmos
submarinos, aviões e helicópteros que estão a chegar ou já chegaram ao fim das
suas capacidades, para apoiarmos a nossa investigação e indústria de defesa,
modernizarmos as Forças Armadas e permitirmos que elas cumpram a missão de nos
defender, de apoiar no exterior a nossa política externa e de aumentar o
prestígio de Portugal no Mundo.
Gostaria de, a este propósito, prestar a minha homenagem às Forças Armadas
Portuguesas e sublinhar o papel de elevada capacidade, profissionalismo e brio
por elas demonstrado na presente crise que atravessa a Guiné Bissau.
Não só por isto mas também pelo seu continuado bom desempenho, em missões
particularmente complexas como as da Bósnia-Herzegovina ou da UNAVEM, em
Angola, elas são credoras do nosso orgulho e muito têm contribuído, desde que
somos um país democrático, para o prestígio internacional de Portugal.
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