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sábado, 16 de dezembro de 2017

O SERVIÇO MILITAR NA EUROPA - 1 - ALEMANHA

Assembleia da República
Comissão de Defesa Nacional
 Relatório

das visitas e dos Encontros de uma delegação da Comissão de Defesa Nacional com as Comissões congéneres, com os Ministérios da Defesa e com as chefias militares, da Alemanha, Bélgica, Reino Unido e França, sobre o Serviço Militar, em Fevereiro e Março de 1997.
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Índice:
 Introdução                                         1
1 - A Alemanha                                  4
2 - A Bélgica                                     13
3 - O Reino Unido                            17
4 - A França                                      25
5 - Conclusões                                   32
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1- A Alemanha

Origem da Bundeswehr e antecedentes históricos
Para melhor se entender a forma como o serviço militar é avaliado na Alemanha e as causas do número excepcional de objectores de consciência é conveniente ter presente o enquadramento histórico da sua origem e evolução.
Após a derrota da Alemanha na 2ª Guerra Mundial e a criação da RFA , o novo Estado Alemão Ocidental recriou as estruturas do Estado, nomeadamente as novas forças armadas e teve o privilégio de as poder criar com grande grau de liberdade. É assim que surge em 12 de Novembro de 1955, a Bundeswehr, criada no contexto do Estado de direito e da democracia parlamentar. Isto constituiu uma situação inédita na história militar da Alemanha.
A Bundeswehr representa não apenas uma rotura com a Wehrmacht nazi mas também com a tradição "prussiana" das forças armadas alemãs da república de Weimar, a Reichwehr, que constituía um Estado dentro do Estado e era acusada de ter facilitado a entrega do poder a Hitler.
As reservas dos aliados ocidentais ao rearmamento alemão, o poderoso inimigo da véspera, foram suplantadas pela dinâmica da guerra fria. Então, face à URSS e, em breve também face ao outro Estado alemão, a RDA, -criado como resposta comunista à criação da RFA - optou-se por forças armadas fortes para servirem de tampão a Leste.
A criação da Bundeswehr surgiu também num ambiente interno desfavorável, marcado pela grande expansão das ideias pacifistas e pela memória ainda muito viva dos horrores da 2ª Guerra Mundial e dos crimes do Terceiro Reich.
A criação da Bundeswehr suscitou, numa parte da população, um movimento de reacção com o lema "Sem mim! Eu abstenho-me". Esta situação histórica permite entender melhor o elevado número de objectores de consciência face ao serviço militar .
A opção pelo serviço militar obrigatório, decorrente de legislação de 1956, era indispensável, do ponto de vista militar, para gerar uma grande massa de efetivos face à superioridade numérica do Leste. Além disso o serviço militar obrigatório, em virtude da maior ligação à sociedade civil que garante, era a solução que dava maior tranquilidade a uma população traumatizada pela guerra e foi aceite com naturalidade.
Por outro lado, a conscrição fazia parte da tradição alemã. Tenha-se presente que ainda antes da França foi a Prússia imperial a adoptar o SMO, não por razões "republicanas" ou para ampliar os direitos individuais dos cidadãos mas para com ele conseguir a superioridade numérica que lhe permitiu averbar importantes vitórias no século XIX à sua vizinha e rival, a França. Disso é exemplo, trágico para esta, a derrota de Napolção III à frente de um exército de cem mil homens, em 1870, por Guilherme I da Prússia, que acaba por se autoproclamar imperador, em Paris, em Janeiro de 1871 e anexar a Alsácia e a Lorena.
Scharnhost, patrono da Bundeswehr, propunha em 1807, ao imperador Frederico-Guilherme III, a organização do exército com base na conscrição. Fundamenta a opção na "aliança entre o Rei e a Nação", no princípio de que "todos os habitantes do Estado são pelo seu nascimento seus defensores". A conscrição acabou por ser um instrumento para a consolidação nacional de que a Alemanha tanto carecia. A Alemanha ainda há pouco dividida numa multidão de principados recuperava o conceito da revolução francesa do militar como "cidadão em armas".
 
"A Bundeswehr umas forças armadas "parlamentares""
A Constituição alemã, no seu artigo 26º, interdita qualquer acto tendente à preparação de uma guerra de agressão e o Tribunal Constitucional em Julho de 1994 definiu que todo e qualquer emprego de forças armadas alemãs fora do âmbito da defesa nacional e territorial depende de autorização do Parlamento.
Desapareceu o conceito tradicional do "Comando Supremo", exterior aos órçãos de soberania e o novo "poder de comando" passou a ser exercido pelo Ministro da Defesa em tempo de paz e pelo Chanceler em tempo de guerra mas submetido ao controlo do Parlamento.
Ao Presidente da República cabem direitos honoríficos e o de nomear os oficiais e sargentos. O orçamento, a organização, estrutura e efetivos das forças armadas dependem da aprovação do Parlamento apoiado na sua Comissão de Defesa que tem também poderes de comissão de inquérito na esfera militar.
Novidade sem precedentes na história militar alemã, e em ruptura com a tradição germano-prussiana, foi a criação do Delegado Militar Parlamentar, uma espécie de provedor, eleito pelo Bundestag, que é uma autoridade de apelo dos militares e detém poderes de controlo específico da vida interna das forças armadas.
Diferentemente do que sucede em Portugal, no Reino Unido e em outros países, na Alemanha não há tribunais militares nem os conceito de crime militar ou essencialmente militar. Nem mesmo em tempo de guerra. Toda a infracção que ultrapasse o domínio da disciplina militar é julgado em tribunais civis.
Também no que diz respeito ao sindicalismo militar e às restrições aos direitos de cidadania a situação é diferente da de Portugal. Na Alemanha, os militares de qualquer patente podem estar inscritos em partidos políticos, assim como ter actividade partidária, desde que fora das unidades militares e sem farda. Nada os impossibilita de ter cargos partidários e ser eleitos para os diferentes órgãos de soberania. Neste caso, suspendem a actividade militar enquanto exercerem tais cargos.
Os militares têm nas unidades conselhos eleitos, dos praças, dos sargentos ou dos oficiais, que os representam junto do superior hierárquico.
Os militares, do SMO, contratados ou do quadro permanente, podem filiar-se nos sindicatos da federação alemã dos militares, onde se filia a maior parte dos sindicalizados ou no sindicato da função pública, onde poucos o fazem.
Registe-se ainda que a Constituição alemã interdita às mulheres o serviço militar e não determina se o serviço militar é obrigatório ou voluntário. O carácter obrigatório do serviço militar é definido pela lei ordinária.
As missões atribuídas às forças armadas alemãs estão, de acordo com o "Livro Branco sobre a Segurança da República Federal Alemã e a Situação e o Futuro da Bundeswehr", e são as seguintes:
  • proteger a Alemanha e os seus cidadãos contra a chantagem política e os riscos exteriores;
  • contribuir para a estabilidade militar e a integração da Europa;
  • assegurar a defesa da Alemanha e dos seus aliados.
As acções no exterior, acções de manutenção da paz, acções humanitárias ou outras no âmbito da ONU, que exigem unidades baseadas no voluntariado, representam uma segunda linha de prioridades.
A participação das forças armadas alemãs no exterior, fora do âmbito da OTAN, são uma realidade recente que tem vindo paulatinamente a abrir espaço, quer no relacionamento internacional, face aos antigos (e alguns ainda presentes), condicionamentos, tais como o da proibição de acesso às armas nucleares, quer na opinião pública interna, onde o lema "guerra nunca mais" se mantém vivo.
No entanto, a pouco e pouco, a Alemanha tem vindo a aumentar a participação das suas forças armadas no exterior. Primeiro com um hospital de campanha em Phnom Penh, no Campochea, depois na Somália e recentemente na Bósnia -Herzegovina, com 4 mil homens na IFOR.
Os efetivos das forças armadas alemãs
As forças armadas alemãs são constituídas por 338 mil militares organizados nos três ramos tradicionais: Exército, com 235 mil efetivos, Força Aérea, com 76 mil e Marinha com 27 mil homens.
O recrutamento assenta num sistema misto que dá origem a diferentes categorias de efetivos: militares do serviço militar obrigatório (SMO) que atualmente fazem dez meses de serviço militar, militares contratados e militares do quadro permanente. Desde o início de 1996 há uma nova categoria de militares a que chamam de "voluntários" e que são os militares do SMO, que após cumprirem os dez meses de serviço obrigatório, continuam nas fileiras por um período compreendido entre um mínimo de dois meses e um máximo de treze meses.
As forças armadas alemãs sofreram fortes reduções após a queda do muro de Berlim, a absorção da RDA e o fim da guerra fria.
Entre 1984 e 1992 os quadros orgânicos estabeleciam 489 mil militares em tempo de paz e 1 milhão e 340 mil homens em tempo de guerra, com as mobilização das reservas.

Para o período de 1993 a 1999, aqueles valores numéricos foram reduzidos para 365 mil militares no ativo e uma reserva de mobilização com um número idêntico de reservistas capaz de elevar para 680 mil homens os efetivos em tempo de guerra.

Para o ano 2000 está planeada nova redução passando para 335 mil os efetivos ao serviço e uma reserva de mobilização igual à atual.
Sendo estes os quadros orgânicos para aqueles períodos, na realidade os efetivos atuais são já inferiores e aproximam-se dos montantes planificados para o ano 2000. As forças armadas alemãs do ativo totalizam apenas 338 mil militares em 1997.
  Quadro n.º1

Forças Armadas Alemãs
Anos
Ativo
Ativo + Reservas
1990
495000
1340000
1997
338000
680000
2000
335000
680000



Os conscritos nas forças armadas
No conjunto das forças armadas alemãs os militares do serviço militar obrigatório mais os do regime de voluntariado (extensão voluntária do SMO) são 135 mil. Os militares de carreira mais os militares em regime de contrato são 200 mil. Os restantes 3 mil são reservistas em exercício.
Através do quadro que a seguir se apresenta pode observar-se que o número de militares do serviço militar obrigatório são apenas quarenta por cento do total, no Exército, uma percentagem idêntica à dos contratados (39%). Sublinhe-se a presença, ainda que em número restrito, (1%), dos reservistas em exercício.
Os "voluntários", antes da incorporação nas forças armadas, têm de declarar essa sua opção e simultaneamente declararem-se disponíveis para eventuais participações em acções no estrangeiro.
Esta categoria de militares tem uma instrução militar mais prolongada que os do SMO. Estes têm uma instrução de dois meses e os voluntários têm uma instrução suplementar de 4 meses e podem participar nas forças de reacção rápida. Estas são constituídas exclusivamente por voluntários ou contratados. Nelas não participam, portanto, os militares do SMO.
Os voluntários estão nas forças de reacção rápida numa percentagem da ordem dos 40% do total dos efetivos, pertencendo os restantes 60% a militares contratados e do quadro permanente.
A continuação nas fileiras para além dos 23 meses só é possível se o militar passar ao regime de contrato até um mínimo de 4 e um máximo de 20 anos de permanência total nas fileiras.
As percentagens nos outros ramos das forças armadas dos grupos SMO/voluntários/contratados é de 25/3/47 na força aérea e de 13/9/54 na marinha. Esta relação mostra que os militares constritos só são maioritários no exército e só estão presentes na classe dos praças.

 Quadro n.º 2
Exército 238.000 militares 
Força Aérea 77.400 militares 
Marinha 27.200 militares 
Efetivos em % 
Exército
F. Aérea
Marinha
SMO 
40
25
13

"Voluntários" 
6
3
9

Contratados 
39
47
54

Quadro Permanente 
14
24
23

Reservas em exercício 
1
1
1

 
O tempo de SMO foi há poucos anos atrás reduzido de 12 para os atuais 10 meses, findos os quais o praça passa à disponibilidade mantendo-se, no entanto, em situação de poder ser convocado a todo o momento nos dois meses seguintes. Isto permite não só a manutenção dos efetivos das unidades um pouco abaixo dos quadros orgânicos como permite o aumento de efetivos em cerca de 30 mil homens, por simples decisão governamental.
Outra forma de acesso às forças armadas é através de contrato ou das escolas militares que formam oficiais e sargentos do quadro permanente.
A hierarquia atual das forças armadas alemãs, incluindo o topo da carreira militar, o corpo de oficiais generais, tem origem, em partes sensivelmente iguais, em militares que fizeram o SMO como praças, continuaram como contratados, fizeram os cursos necessários e singraram na carreira posto a posto e, em militares que optaram desde início pela carreira militar.
A necessidade de manutenção do serviço militar obrigatório foi defendida com muito ênfase, como indispensável para a defesa nacional e para o cumprimento das responsabilidades da Alemanha no âmbito da OTAN, em suma, para o cumprimento das missões que atualmente lhe estão atribuídas.
A defesa do princípio da conscrição foi ilustrado com afirmações como as seguintes:
"... as forças armadas alemãs são a coluna vertebral da defesa aliada na Europa. Não podemos dispensar a possibilidade de aumentar rapidamente o número de efetivos e isso só é possível com a conscrição";
"... os nossos aliados vizinhos podem optar pelo sistema de voluntariado porque descansam na capacidade de defesa das nossas forças armadas".
Para a Alemanha, uma das razões principais para a manutenção da conscrição é a capacidade que ela garante de criação de grandes reservas de mobilização. Tal decisão decorre da avaliação que faz da situação política na Europa: apesar do fim da guerra fria o Governo alemão considera haver muitas incertezas no plano geoestratégico, principalmente a Leste, que não aconselham a diminuição de capacidade de resposta militar.
Confrontados com a opção francesa pela profissionalização das FFAA consideram que a França pretende umas FFAA orientadas para intervenção no exterior no âmbito das novas missões da ONU.
No entanto, sublinhe-se que também neste campo a Bundeswehr não descura o seu futuro pois a curto prazo pretendem elevar para 50 mil os efetivos das forças de reacção rápida.
As coisas não são vistas da mesma forma a partir de Paris, a avaliarmos pelas preocupações do Senador Francês, M. Delanoe, ao interrogar o adido de defesa alemão, general Schweinsteiger, em audição, no Senado, sobre "O Futuro do Serviço Nacional":
"...No debate atual que agita todas as forças armadas europeias e todo os políticos qual é a justificação para manter umas forças armadas tão grandes em efetivos?"
A reposta foi idêntica à que obtivemos em Bona. A insegurança quanto à estabilização do quadro geoestratégico a Leste.
Os Custos
A opção pela conscrição, para além de garantir o número indispensável ao nível de efetivos decidido para as forças armadas alemãs em tempo de paz e especialmente para o formato em tempo de guerra, foi fundamentada também na garantia que ela dá à permanência de forças armadas "jovens", "inteligentes" (seleccionando os saberes dos conscritos) e democráticas. E nos custos menores de umas forças armadas de conscritos. Um militar do SMO custa por ano, 25.857 marcos, enquanto que para os voluntários e os contratados o custo correspondente aumenta para 32.849 e 48.319 marcos respectivamente.
Foi reiterada a afirmação de que as forças armadas alemãs gozam de grande prestígio e apoio da população e que sondagens regulares revelam uma evolução da opinião a favor da conscrição.
Em sondagem realizada em 1996, manifestaram-se a favor do SMO 63% dos inquiridos e a favor do voluntariado 36 %.
O valor da sondagem fica, no entanto, relativizado pelo conhecimento das altas percentagens de opção pelo serviço civil através da declaração de objecção de consciência, que chegam a aproximar-se dos 50% do contingente anual. As próprias chefias militares explicam que uma coisa é a opinião favorável à conscrição e outra a decisão dos jovens, determinada pelo "pragmatismo"!
A objecção de consciência
A guerra do Golfo e a perspetiva de intervenções alemãs no estrangeiro aumentou as reservas à prestação do serviço militar e contribui para o aumento em flecha do número de objectores a partir de 1990.
Outra razão ainda mais determinante para esse aumento foi a decisão de prescindir dos júris que decidiam do fundamento do pedido de objecção de consciência. Desde então, o mancebo pode escolher sem qualquer constrangimento entre o serviço militar ou o serviço cívico.
O serviço cívico tem contra si a duração superior em três meses à do SMO. Mas tem a seu favor a escolha de um local próximo da residência (trabalho social, em geral) com a possibilidade de ir dormir a casa.
O objector de consciência recebe o mesmo pré, em valor real, que o militar mas, como não recebe alimentação e alojamento das forças armadas, o dinheiro "cash" que aufere é duplo daquele que o soldado recebe, cerca de novecentos marcos contra cerca de quatrocentos e cinquenta marcos para o soldado.
Para recrutarem para o SMO os "voluntários" suficientes, as forças armadas alemãs, fazem um intenso marqueting e oferecem um conjunto de incentivos importantes: especialização profissional com equivalência na vida civil, facilidades de emprego, residência militar durante algum tempo após a passagem à disponibilidade enquanto o licenciado não tenha casa. Mais recentemente criaram um subsídio de deslocação com duas componentes: um subsídio de transporte para quem esteja colocado até 90 km de casa, e um subsídio de pernoita no quartel para quem está colocado em unidades a maior distância da residência.
Esta situação do serviço militar obrigatório alemão levou o Senador francês, M. Clouet, a concluir, após a audição acima referida, ao adido de defesa alemão em Paris, no Senado francês:
"Obrigado meu General. Concluo no meu foro íntimo e a título puramente pessoal, que as forças armadas alemãs são umas forças armadas de voluntários disfarçados de conscritos. Os que fazem dez meses obrigatórios só o fazem se assim bem o entenderem. Se não o quiserem fazer são pagos a dobrar"!

Quadro n.º 3
Evolução do número de objectores de consciência na Alemanha

Ano
1988
1989
1990
1991
1992
1995
1996
Nº de objectores 
77.048
77.398
74.569
150.722
133.868
160.569
156.763
Receando que a opção pelo serviço civil possa impedir o recrutamento do número indispensável de recrutas, as forças armadas têm, desde 1995, um programa de promoção do SMO e de captação dos jovens para o serviço militar.
É um programa muito ambicioso que tem ao seu dispor poderosos meios de comunicação e pretende chegar de forma sistemática a todos os jovens em idade militar e às respetivas famílias.

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